18 de nov. de 2008

PUBLICADO NO ARTIGO "ESCOLAS HIGH-TECH", PP. 24-30 EDUCAÇÃO Escolas high-tech Equipamentos digitais e interativos, como simuladores de realidade virtual e robôs, são cada vez mais utilizados por colégios paulistanos e ameaçam decretar a aposentadoria do giz e da lousa convencional Edison Veiga ... (pp. 29-39) E há quem ainda não confie totalmente no uso dos computadores. "Um dos maiores problemas do ensino é o fato de ele ser excessivamente abstrato", aponta Valdemar Setzer, professor do departamento de ciências da computação da Universidade de São Paulo e autor do livro Meios Eletrônicos e Educação: uma Visão Alternativa. "Qualquer tecnologia irá torná-lo mais abstrato ainda." Para ele, os colégios investem em equipamentos por puro marketing, na expectativa de atrair mais alunos. Setzer acredita que os computadores podem causar prejuízos ao desenvolvimento físico, intelectual e psíquico das crianças. Acostumadas a estar a um clique de tudo, elas assumiriam posturas imediatistas e, em casos extremos, se isolariam do convívio social. Como antídoto, o professor sugere aulas de arte e artesanato para desenvolver a imaginação. Afinal, se as coisas continuarem nesse ritmo, logo, logo a criançada só vai se comunicar via MSN Messenger. -------------------------------------------------------------------------------- ENTREVISTA COMPLETA Perguntas formuladas por Edison Veiga Jr., respostas enviadas em 16/4/06 1) Antigamente as escolas proibiam até que o aluno usasse calculadora em salas de aula. Hoje, cada vez mais, computadores fazem parte da paisagem educacional, jovenzinhos carregam laptops nas mochilas... Como o senhor vê essa mudança? É irreversível? Essa mudança é fruto do desconhecimento dos efeitos negativos que o computador produz nas crianças e jovens e, em particular, das pesquisas científicas recentes que provam que o computador na educação produz, em geral, uma diminuição do rendimento escolar, entre várias outras conseqüências negativas (ver o último artigo em português em meu "site" www.ime.usp.br/~vwsetzer). Além disso, está havendo um efeito de mercenarismo: introduzindo computadores na educação, as escolas esperam atrair os pais que, erroneamente, acreditam que eles são essenciais e benéficos à educação, preparando melhor seus filhos para a convivência social e o mercado de trabalho - precisamente o contrário do que os computadores fazem. Antes, eu era convidado a dar palestras nas escolas sobre o assunto, por mera curiosidade de se ouvir uma voz diferente, contrária ao uso de computadores na educação, no lar e na escola. Agora, estou sendo convidado por pais e mestres desesperados pois as crianças e jovens que os usam estão indo cada vez pior na escola. Querem ouvir minha opinião sobre as causas e o que fazer. Quanto ao que fazer, a receita é uma só: crianças e jovens não devem usar o computador. Ele perturba o desenvolvimento sadio físico, intelectual e psíquico, produz isolamento social e exige um auto-controle e discernimento que eles não têm. Por exemplo, crianças e jovens estão usando a Internet até altas horas da noite e no dia seguinte passam as aulas meio adormecidos. Quanto aos "jovenzinhos" carregando "laptops" na mochila, já foi constatado nos EUA que, devido ao seu peso, isso provoca problemas de coluna e de postura. A propósito, é provável que nenhuma escola tenha salas de computadores com mesas, suportes e cadeiras de altura variável, para que os alunos de várias idades, e portanto de vários tamanhos, assumam uma postura correta ao usá-los (com cotovelos na altura do teclado, coxas na horizontal, pés apoiados, telas só de LCD com altura adequada, uso de "touch pad" e não de "mouse", etc.). O governo tem um horrível plano de dar um "laptop" por criança, embarcando nesse projeto de certos coveiros da humanidade. É importante notar que esse projeto é simplesmente de construção dessas máquinas, pois não está acompanhado de absolutamente nenhum programa educacional, isto é, é um projeto tecnológico e não educacional. Independente da corrupção que invariavelmente resultará desse programa de um bilhão de dólares (alguém poderia esperar outra coisa neste país?), já se imaginou como ocorrerão roubos desses micros quando as crianças carregarem-nos para as escolas, ou mesmo em suas casas, e a frustração que isso provocará nas crianças? Com a péssima qualidade do ensino público em nosso país, com a péssima remuneração dos professores, com a péssima condição das escolas, esse projeto chega a ser obsceno. A citada mudança não é irreversível. Tenho esperança de que um dia escolas e pais serão convencidos pelas pesquisas científicas, já disponíveis, de que o uso de computadores por crianças e jovens é altamente prejudicial. O problema é que o impacto negativo dessas máquinas dá-se principalmente no nível emotivo e mental, portanto não é visível como o desastre causado por uma máquina física, por exemplo um automóvel guiado antes de o jovem ter uma certa maturidade. A primeira vez que publiquei algo contra o uso de computadores na educação foi em 1976 (veja-se em meu "site"). Quantas crianças e jovens não teriam sido ou não estariam sendo prejudicados pelos computadores se me tivessem dado ou me dessem ouvidos? 2) Em artigo de 1996, o senhor disse: "E por falar em "seriamente," o que acontece se uma criança ou jovem usam um software educacional, digamos, de Geografia? Eles serão atraídos enormemente, terão um entusiasmo que dificilmente um professor-gente conseguirá despertar. Mas, pergunto, o entusiasmo é pela Geografia? Não, o entusiasmo é por todo o aspecto visual, auditivo e de animação, enfim, o entusiasmo é pelo cosmético e não pelo que ele embeleza. Por detrás desse cosmético multimídia está quase zero, isto é uma face muito feia. Pensem os pais e educadores: como é que uma criança acostumada com essa embromação de cosmético vai enfrentar um livro ou uma aula de Geografia? Vocês estão viciando a criança num padrão que não é o da educação; esta leva tempo, exige calma, reflexão e um contato humano entre professor e aluno, exige a arte do professor para atrair a atenção do aluno e ao mesmo tempo transmitir conhecimento. " Hoje em dia, com o advento das lousas digitais, esse "cosmético" pode estar nas salas de aula. Aí não há mais o livro didático na aula de geografia. Então o seu posicionamento passa a ser outro? Então os softwares passam a ser aceitáveis? Meu posicionamento não mudou. Um dos maiores problemas do ensino é que ele é excessivamente abstrato. Qualquer tecnologia vai torná-lo mais abstrato ainda. Afinal, o que vai se exibir em uma lousa digital será absolutamente virtual. Os velhos mapas escolares não eram suficientes? As lousas digitais, conectadas à Internet, permitem que se empregue, por exemplo, o "Google Earth" e se mostrem mapas com vários níveis de detalhes. Isso é tão essencial assim, ou a aula passa a ser um joguinho eletrônico, com mais atração ainda pelo cosmético? Será que muito mais importante não é o que o professor conta, excitando a imaginação, não é o que o aluno deveria ler calmamente em livros, adquirindo um amor pela leitura e desenvolvendo seu pensamento e imaginação? O que é preferível, o aluno escrever um trabalho à mão, treinando sua letra, fazendo desenhos e caprichando no aspecto, ou reduzir sua ação a apertar teclas e mover o "mouse", relegando tudo aquilo a uma máquina? A solução para as escolas não é a introdução de mais tecnologia, mas é a humanização do ensino, e a introdução de matérias essenciais para a formação ampla, como artes e artesanato. O curioso é que, quando eu fui estudante, da 5a à 8a séries (antigos 1o a 4o ginasiais), no início da década de 50, era obrigatório em todo país o ensino de Canto Orfeônico (iniciativa genial de Villa Lobos), e de Trabalhos Manuais. Só que estou propondo o ensino intensivo de todas as artes, (como é feito, com imenso sucesso, desde 1919, nas escolas Waldorf no mundo inteiro, inclusive entre nós; é só visitar uma - ver os diretórios em www.sab.org.br - para observar o resultado altamente positivo do ensino artístico.), e não só de música. Quanto ao desaparecimento do livro didático, isso será apenas mais um passo no caminho de se ler cada vez menos - uma característica terrível do brasileiro em geral. Cada vez que se lê calmamente um livro impresso, está se treinando a concentração mental, o pensamento e a imaginação, justamente o que é prejudicado pelos meios eletrônicos, com trágicas conseqüências. 3) Gostaria que o senhor elencasse, em síntese, quais são os maiores argumentos contra o uso das novas tecnologias em sala de aula. E, caso julgue pertinente, quais seriam os argumentos favoráveis. Há inúmeras razões para não se introduzir computadores e novas tecnologia na sala de aula. Vejam-se vários argumentos em meus livros e em meu "site", principalmente no último artigo em português, que atualiza e complementa o que escrevi antes. Uma das razões que não se lê na literatura a respeito é que, dentre as novas tecnologias, o computador força um pensamento lógico-simbólico, sempre que se lhe dá algum comando. Somente depois dos 15 anos os jovens deveriam exercer esse tipo de pensamento e uma linguagem formal como exigida pelos comandos do computador. Antes dessa idade, há um prejuízo para seu desenvolvimento intelectual gradual e harmônico - segundo minha conceituação, uma das causas principais para o problema de piora no desempenho acadêmico, inclusive em matemática, como foi detectado por pesquisas recentes, inclusive com cerca de 700.000 estudantes que fizeram o exame internacional PISA (o Brasil ficou em um dos últimos lugares). Vou citar um outro argumento que ainda não coloquei no citado artigo. É fundamental reconhecer que TV, "video games" e computadores induzem indisciplina - e do pior tipo, a mental. Recentemente houve a publicação de um estudo científico mostrando que a disciplina é mais importante para o rendimento escolar e acadêmico do que o QI. Aquela indisciplina está ligada, em minha conceituação, à fragmentação e à velocidade das imagens e dos conteúdos, com a conseqüente destruição da força de vontade e da concentração provocada por aqueles meios eletrônicos, principalmente em crianças e jovens, que ainda as estão desenvolvendo. Quanto aos argumentos a favor da introdução das novas tecnologias, veja-se meu artigo fazendo uma revisão dos mesmos em termos do computador. Essa introdução não se deve em absoluto a estudos científicos mostrando que essas tecnologias trazem algum benefício, e sim à mania catastrófica de achar que qualquer tecnologia é benéfica. Basta respirar o ar de São Paulo e ver-se-á como a tecnologia - na verdade, toda tecnologia - tem efeitos colaterais indesejáveis. Por causa daquela mania, nossa civilização materialista está destruindo a matéria do mundo - bem como a psique de crianças e jovens. O resultado disso já está sendo terrível, mas se não houver uma mudança rápida, a juventude de hoje crescerá com um desenvolvimento psíquico completamente alterado e doentio, incluindo uma admiração e veneração horríveis às máquinas e, pior de tudo, achando que o ser humano é uma máquina - imperfeita. Os horrores causados pelo nazismo e pelo fundamentalismo não terão sido nada perto do que elas vão fazer, pois não há sentido, por exemplo, em se ter compaixão por uma máquina (se bem que os abomináveis "tamagotchis" provocaram precisamente essa aberração). 4) Considerando que a incorporação do computador e das novas tecnologias em sala é um processo irreversível, quais regras deveriam ser adotadas para o seu uso? O que pode ser feito pelos pais é o seguinte: 1. Procurar uma escola onde ainda haja um resto de sensibilidade humana e não se use o computador e novas tecnologias no ensino, a menos dos últimos anos do colegial. No entanto, nesse caso deve-se usar o computador para se ensinar como ele funciona internamente - do ponto de vista dos circuitos e da lógica dos programas -, que é justamente o que não se está fazendo; vejam-se materiais didáticos a respeito em meu "site". Não há mais necessidade de ensinar a usar, por exemplo, editores de texto, a Internet, etc., pois isso é muito fácil de aprender e quase todos já sabem. Além disso, é absolutamente essencial ensinar a ética do uso dos computadores e quais os problemas que causam, como por exemplo os que estão expostos em meu artigo "A miséria da computação". 2. Se um pai não pode mudar seu filho de escola e esta, erradamente do ponto de vista científico, usa computadores na educação, é absolutamente necessário que seja feito um equilíbrio com muita atividade artística (a esse respeito, leia-se meu artigo sobre um antídoto contra o pensamento computacional, em meu "site"). 3. Se a escola ou os pais acharem erradamente que é necessário que crianças e jovens usem o computador, é absolutamente essencial que esse uso seja bem limitado no tempo e acompanhado de perto, constantemente, por adultos. Crianças e jovens adolescentes não têm discernimento e auto-controle para saberem o que é bom ou ruim para eles e se estão usando a máquina exageradamente. Estive dando há pouco um curso e palestras em Cuiabá, e fiquei sabendo que lá, em uma sala de computadores para alunos em uma certa grande escola, segundo relato de um deles, os meninos estavam vendo nas telas "strip-tease" "ao vivo" de alunas (que, certamente, não sabem o perigo que estão correndo, pois podem ser chantageadas se seu rosto puder ser reconhecido). É claro que essa sala de computadores não tem nenhum controle por parte dos professores. 4. A pior falta de controle é uma criança ou jovem ter TV, "video game" ou computador em seu quarto de dormir. A propósito, um artigo científico de abril deste ano mostrou o óbvio ululante de que crianças que vêem muita TV começam mais cedo sua vida sexual. É urgente os pais perceberem o crime que estão cometendo contra seus filhos colocando esses aparelhos lá. É fundamental os pais perceberem que o mais fácil, e de maneira nenhuma prejudicial aos seus filhos, é não terem esses aparelhos em casa ou então não deixá-los disponíveis sem rígido controle no seu uso. Infelizmente, estamos na época em que uma boa parte, senão a maioria dos pais, perdeu totalmente a noção do que vem a ser educação e não coloca mais limites para seus filhos. Pobre mundo futuro! A miséria social de hoje parecerá um paraíso perto do que os atuais filhos pequenos e netos enfrentarão - ou provocarão!

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