27 de set. de 2008
A busca assassina por petróleo está em “Sangue Negro
Há algo de simples e extraordinário em Sangue Negro, o novo filme do diretor norte-americano Paul Thomas Anderson (Magnólia, 1999). Inspirado livremente no livro Oil! (Petróleo!) de Upton Sinclair, o filme, a primeira vista, pode parecer somente uma história perfeita sobre um empreendedor do ramo de petróleo na virada do século XIX para o XX no Oeste dos Estados Unidos. No entanto, a saga de Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) desde as primeiras escavações até seu enriquecimento com petróleo, serve-nos como boa representação do capitalismo em nossos dias.
Violento e desbravador Nos primeiros 11 minutos do filme, não há diálogos. Plainview é apresentado como um típico personagem de faroeste: solitário, silencioso e auto-suficiente. Escava minas a procura de prata.
Numa cena bastante representativa, Plainview quebra a perna num acidente e, apesar da agonia e da dor, antes mesmo de pensar em buscar ajuda, avalia os minérios que encontrou. Para ele, não há doutrinas ou limites morais para o lucro. Para aumentar sua riqueza e ampliar o seu poder, superará qualquer obstáculo, desde submeter-se a situações vergonhosas, humilhar-se, agredir ou matar.
Sedento por petróleo
A maior parte da história ocorre em 1911, quando Plainview se tornou um bem sucedido negociante de petróleo. Acompanhado pelo seu filho de criação H.W. (Dillon Freasier), Daniel percorre a Califórnia apresentando propostas ambiciosas e dando esperanças a homens e mulheres pobres para que estes lhe arrendem a terra para perfuração. Sempre oferece bem menos do que a terra efetivamente vale.
Certo dia, o jovem Paul Sunday (Paul Dano) lhe vende a informação de que há petróleo nas terras subterrâneas do sítio de sua família. O local é em meio ao deserto da Califórnia, entre casas miseráveis e vegetação rasteira. De fato, Plainview encontra petróleo naquelas terras. Isolada e pobre, a pequena comunidade de Little Boston, que não tem sequer água para plantar, logo cede às promessas de progresso de Plainview. Ele promete escolas, estradas e água. No entanto, o que Little Boston realmente consegue são poucos avanços, desenvolvimento limitado aos arredores da perfuração petrolífera e da igreja, acidentes e mortes.
Plainview, por sua vez, aumenta sua fortuna. Concentrando em suas mãos cada vez mais postos de petróleo, quer destruir a concorrência e estabelecer o seu monopólio sobre o ramo. “Eu compito comigo”, diz Plainview. “Eu não quero que nenhuma outra pessoa tenha sucesso. Eu odeio a maior parte das pessoas. Eu as olho e não vejo nada que valha a pena. Eu quero ganhar dinheiro o suficiente para me livrar de todos”. Esse é o espírito dessa personagem.
“Deus é uma superstição”
Na busca por dinheiro, poder e influência, Plainview encontra em Little Boston um interessante adversário. O irmão gêmeo de Paul, Eli Sunday (Paul Dano), pastor de uma nova igreja chamada “Terceira Revelação”.
Ainda que sejam faces da mesma moeda (ou “irmãos por casamento”, como aponta Eli), a todo tempo o capitalista e o pastor disputam a atenção dos moradores. Nessa competição, Plainview se sobressairá. Mesmo com o crescimento de sua congregação e a ampliação de sua igreja, à custa das contribuições dos fiéis, Eli, derrotado e com dívidas, precisará de dinheiro.
Em 1927, procura o magnata e milionário Plainview e oferece terras da igreja para que perfure. “Há uma condição para esse trabalho”, contrapõe o explorador de petróleo, “que você diga que é um falso profeta e que deus é uma superstição”. No coroamento da máxima liberal da separação entre Igreja e Estado, Plainview ainda enfatiza: “eu avisei que iria te devorar (...) Eu sou a terceira revelação. Eu sou o escolhido”.
O filho bastardo do capitalismo
H.W., o filho de Plainview, lhe serve como instrumento de retórica nas mesas de negociação. Assegura que o capitalista inescrupuloso tenha uma máscara humana: “sou um homem de família”, diz Plainview àqueles com quem negocia.
Ironicamente, H.W., desde o princípio, pensa diferente do pai. Quando Plainview lhe fala sobre a maravilhosa perspectiva de lucro com o petróleo que corre sob Little Boston, H.W. pergunta: “quanto pagaremos à família Sunday?”. É bastante representativo que um acidente num dos postos de escavação deixe H.W. surdo. Incapaz de convencer o filho de sua ideologia, Plainview rejeita-o.
Os dois vão se distanciar e seguir por caminhos diferentes. O pai solitário, alcoólatra e cada vez mais rico ficará ainda mais inescrupuloso e arrogante. O filho, em contato permanente com os trabalhadores de seu pai, passará a odiá-lo. Quando H.W. procura o pai para anunciar seu definitivo afastamento, Plainview responde demonstrando não haver qualquer perspectiva de diálogo entre eles: “você não é meu filho, é um órfão. Entende essa palavra? Você tem de se comportar dessa forma de agora em diante. (...) Eu não sei nem quem você é. Não há nada meu em você nem de qualquer outra pessoa. Esse ódio que você tem, de modo estúpido fica tentando negociar comigo. Você nunca foi nada além de um bastardo abandonado numa cesta no meio do deserto”.
Sangue
Sangue Negro exalta muitas das principais qualidades já demonstradas pelo diretor Paul Thomas Anderson em seus filmes anteriores como Boogie Nights (1997), Magnólia (1999) e Embriagado de Amor (2002). Há um completo controle da filmagem, com montagem meticulosa e planos muito bem combinados. A bela trilha sonora composta pelo guitarrista John Greenwood (Radiohead) alerta-nos para os momentos de tensão e antecipa descobertas.
Vale destacar, também, a fotografia em geral e o trabalho com o petróleo como elemento de composição de cena em particular. Os planos de Anderson, muitas vezes inesperados, exaltam a brilhante interpretação de Daniel Day-Lewis.
Mesmo que pareça distante e não mencione diretamente os dias atuais, Sangue Negro resume em poucas palavras a conseqüência natural das ações imperialistas. Conforme anunciado pelo seu título original, no capitalismo sempre haverá sangue, muito sangue.
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