12 de mar. de 2010

A FILOSOFIA E O FILOSOFAR

A vida humana é essencialmente mundana, na expressão de Julián Marías (1914-2005), filósofo espanhol, discípulo de Ortega Y Gasset. Ou seja, só existimos e podemos pensar em nossa existência pela circunstância de possuirmos uma corporeidade situada no mundo. O mundo até pode ser imaginado como uma outra realidade que desejamos ou acreditamos ser possível existir mas, anterior a esta imaginação e desejo, existimos nas circunstâncias em que o mundo nos instala.É neste cenário que imagino possa transpor filosofia a sala de aula, o pátio escolar, os muros da escola abrangendo, assim, a comunidade. Que seja possível atualizar as discussões como pela philia em novas ágoras. Uma das questões que deve impulsionar as nossas investigações como professor de Filosofia é a tentativa de estimular a reflexão filosófica a partir da “experiência não filosófica”, das experiências do cotidiano dos alunos para daí alcançar a conceituação e experiência filosófica. Observamos que, no momento em que as questões levantadas sobre a experiência vivida de nossos alunos exigirem uma reflexão mais profunda para o seu equacionamento, a Filosofia ganha sentido, assume o caráter de necessidade, podendo, neste caso, despertar o interesse, a construção do diálogo, e, por que não dizer, até o prazer nos alunos. É perceptível um grau maior de interesse dos alunos nas aulas de Filosofia quando os temas são por eles escolhidos, são de seus interesses imediatos e fazem parte do seu cotidiano. Isto é significativo, já é um caminho a ser percorrido para o pensar crítico que é um dos vetores da Filosofia. Os alunos adolescentes contemporâneos e grande parte dos indivíduos em geral, vivem na sociedade da imagem, das propagandas midiáticas, do consumismo e da efemeridade. Portanto, pode até parecer que os temas e as perguntas que os alunos adolescentes apresentam para a discussão possam chegar a lugares comuns. Até podem chegar a isso, mas não existe um desvalor em que os temas e as indagações sejam comuns. O cotidiano e a rotina são situações que não podem fugir ao nosso olhar. São situações palpáveis, inquietantes e que poderão possibilitar uma série de discussões de crescimento intelectual, humano e social. Para estabelecer as discussões e o diálogo na prática do ensino de Filosofia. É preciso novas elaboração da Filosofia a partir da criação de novos conceitos (denominação deleuziana); humildade em reconhecer que não somos “donos da verdade”; abertura para ouvir o outro; seriedade nos posicionamentos discursivos das temáticas filosóficas que nos propomos a ensinar; e conhecimento elaborado. Vivenciar a humildade na experiência filosófica não significa humilhar-se, mas ter a nítida consciência de que o encontro com a Filosofia, assim como entre os seus interlocutores, é de construção, de amor à sabedoria, de buscar saber sempre. sala de aula não é um espaço alheio às outras circunstâncias do mundo humano. É neste lugar, que deve ser um espaço propício para as discussões e reflexões dos problemas externos da sociedade, que, por sinal, esses problemas repercutem na vida dos indivíduos na escola. Os alunos não são interlocutores fictícios, imaginários, mas são realidades corpórea, vivenciais do mundo em que estão instalados. Portanto, o ensino da Filosofia deve trilhar-se nas participações efetivas do fazer-se junto à Filosofia, na reciprocidade professor e aluno. Este novo olhar filosófico deve ser responsável. É um olhar de experiências que transitam pelas doutrinas filosóficas, mas não permanecem nelas, co-criam novos conceitos, novas circunstâncias de pensamentos, novas ações para a vida. Julián Marías: “eu diria que todo uso filosófico de uma doutrina é necessariamente criador, porque se não o for, não é um uso filosófico”. (1971: 10). Fica então a proposta de ensinarmos a Filosofia a partir do cotidiano vital, do exercício do pensar mediados pelos conceitos e sistemas filosóficos já formulados, e motivarmos os alunos a desenvolverem a arte do diálogo, a arte do autoconhecimento, deixando sempre espaço para novas discussões. Faz-se necessário admitir e construir em todos os campos educacionais, e não só no campo exclusivo da Filosofia, a arte do diálogo, a arte do encontro entre o eu e o outro, ou, melhor dizendo, entre o EU-TU. Neste sentido, a filósofa alemã Hannah Arendt, em sua obra fundamental A condição humana, escreve que todas as realidades que o humano, em sua pluralidade, realiza, pensa, sabe, experiencia, só tem significado na medida em que as relações saem do individual para o social. No ir para o outro é que se realiza a ação política e os seres humanos, na intersubjetividade, constroem a condição humana humanizada. E tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. [...] A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha existir. (ARENDT, 2005: 12, 16). Não é minha intenção, nem pode vir-a-ser, afirmar que o professor de Filosofia não deva apresentar e discutir com os alunos os grandes temas da filosofia e os grandes filósofos é que como no mito da caverna vendo sua realidade sombreada, é preciso que se saia dela vivenciando a realidade. JOÃO FILHO- PÓS GRADUADO EM MET.DO ENS.DE FILOSIA E GRADUADO EM HISTÓRIA

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