2 de set. de 2009

A LUTA DE CLASSES NA COLOMBIA - SITUANDO A GUERRILHA HISTORICAMENTE Para cumprirmos a tarefa de traçar um panorama acerca da situação atual da guerrilha na Colômbia, utilizaremos uma matéria publicada pelo órgão de imprensa da Escola Ideológica de Filosofia, História e Economia Política, chamado Crítica Política, em seu número 59, de novembro de 1999. A Colômbia é o país de maior trajetória guerrilheira. O mais destacado dos grupos guerrilheiros, no presente momento, as FARC, está em atuação há mais de 40 anos, com pequenos intervalos nas atividades, como na década de 80, por conta de acordos com o governo, para logo em seguida retornar ao combate armado.
O fato de nos utilizarmos da matéria do Crítica Política, quase na sua íntegra, dá-se pela necessidade de situar a guerrilha, historicamente, no contexto da luta de classes, naquele país, e isto a matéria faz a contento. Não implica, porém, que concordemos com as conclusões a que chega o CP, e, quanto a isto, trataremos de elucidar as nossas posições e as nossas diferenças no decorrer da nossa análise. Vamos à matéria:
"Desde os primeiros momentos da conquista, os espanhóis se viram enredados pelas emboscadas dos índios nômades que viviam nas cordilheiras limítrofes dos principais rios e particularmente do rio Magdalena, a principal artéria fluvial do país e via indispensável para chegar ao centro do território conquistado. Em seguida às mesmas guerras civis do século XIX, a guerrilha desempenha um papel importante como fator de apoio logístico e militar aos respectivos bandos em conflito. Porém, é a partir da repressão desencadeada pelos governos conservadores, instaurada em 1946, quando a tática da guerra de guerrilha adquire uma espécie de institucionalidade histórica.
Como resposta à violência partidária conservadora, exercida desde a esfera do governo, foram os perseguidos liberais os que assumiram primeiro uma defesa armada de suas vidas, que se convertem logo em uma ofensiva guerrilheira na perspectiva de restaurar os governos liberais que desde 1930 haviam exercido o poder até o referido ano de 1946.
Portanto, as primeiras expressões guerrilheiras do século que termina foram de caráter liberal, não por sua ideologia, porquanto se tratava de massas de camponeses, senão por sua vinculação partidária, por pertencer ao partido liberal, o partido perseguido desde a esfera do poder governamental.
A tal ponto chegou o desenvolvimento das forças guerrilheiras liberais, que, em 1953, havia no país mais de 50 frentes de guerrilhas e, à frente das principais encontrava-se um personagem de origem camponesa de idéias liberais, Guadalupe Salcedo Unda. Neste momento, a oligarquia liberal e parte da conservadora se dão conta do perigo que representa um movimento armado e dentro do qual havia assessores importantes por sua visão política, como o advogado Alvear Restrepo, oposto à rendição guerrilheira. É então que começa a ser gestado pelos liberais e uma parte dos conservadores o golpe militar na perspectiva de deter o avanço das guerrilhas liberais. O golpe se produz sob a direção do general Gustavo Rojas Pinilla e é aprovado e legitimado pela direção do partido liberal e por uma fração conservadora encabeçada por Marino Ospina Perez, o mesmo que sob a sua presidência permitiu a violência contra os liberais, em cujo período presidencial foi assassinado o líder liberal Jorge Eliecer Gaitán.
Gera-se, então, um período de governos conservadores e liberais alternados, sob uma aliança denominada "Frente Nacional". Durante sua vigência, não se permitiu a participação política de forças diferentes dos partidos tradicionais, o liberal e o conservador.
Ao monopolizar o poder e sustentar um regime de repressão, particularmente dirigida às massas camponesas organizadas e aos movimentos de oposição, reproduz-se o surgimento de organizações insurgentes que pretendem ascender ao poder mediante a via armada. A esse processo contribuía a situação mundial, que presenciava lutas de libertação anticolonialista na Ásia e na África.
A oligarquia liberal-conservadora colombiana pretende liquidar os movimentos insurgentes mediante o aumento da repressão, da tortura, das prisões e dos "desaparecimentos" de dirigentes populares, etc. Isto se agudiza no governo de Julio Cesar Turbay Ayala e continua nos seguintes. A repressão estatal produz o fortalecimento da insurgência e, com o tempo, ela adquire um poder nunca imaginado pela oligarquia. É este poder, logrado por diversos meios, que levou a oligarquia a sentar-se frente à insurgência para tratar de obter um clima de equilíbrio político no qual se terminasse com a repressão e se desse espaços aos setores excluídos do poder político que vem dominando.
Este fenômeno, que é novo na história do país, não significa que a insurreição tenha triunfado na perspectiva de impor um novo Estado e uma nova estrutura diferente da que possui a sociedade colombiana, ou então que a oligarquia revisse seus métodos de participação cidadã à luz de novas condições tanto nacionais como mundiais. Nem os insurgentes apresentam um novo modelo econômico, nem a burguesia vai liquidar o seu. Entretanto, é possível permitir mais reformas que logrem a participação de grandes massas da população que hoje se encontra marginalizada de toda possibilidade de melhoramento econômico, social, político e cultural."

O ATUAL ESTÁGIO DA GUERRILHA NA COLÔMBIA
É preciso situar, dentro do atual estágio da guerrilha colombiana, qual é a sua motivação principal, qual o seu projeto, qual a classe que lhe dá sustentação político-ideológico.
Pudemos ver, pela matéria acima do CP, que este estágio da guerrilha nasce das desavenças intra-burguesas entre duas facções da classe dominante: de um lado, uma casta de caráter mercantil, representada pelo partido liberal e, do outro, latifundiários ligados aos interesses agrícolas/pecuaristas, representados pelo partido conservador.
Por um lado, o partido conservador, com os seus interesses ligados ao latifúndio e à produção agrícola voltada para exportação, sentia os seus interesses ameaçados com as bandeiras levantadas pelo partido liberal, que visava a ampliação do mercado interno, inclusive propondo a reforma agrária, visando a criação de uma classe média no campo.
O partido liberal, ao ser alijado da possibilidade de disputar a máquina do Estado pela via "democrática", tendo, inclusive, as suas propriedades confiscadas, a vida dos seus seguidores ameaçadas e em alguns casos liquidadas, recorre à luta armada como meio de retomar o controle do Estado. Para tanto, esta facção da burguesia, em sua luta canibalesca, viu-se obrigada a atrair para suas fileiras outros setores da sociedade, como a pequena burguesia e os camponeses pobres, com bandeiras de liberdades democráticas e reforma agrária. O campesinato passa a ser o principal fornecedor de "braços" à guerrilha liberal.
Entretanto, a guerrilha dá-se em meio a uma crise de grandes proporções. Os liberais, que a incentivaram e alimentaram, temiam o seu crescimento e com isto a possibilidade desta sair do seu controle e dos limites das suas bandeiras. Sentindo-se ameaçado, o partido liberal começa a concertar uma aliança com o partido conservador, visando pôr fim à luta armada, nascendo daí um governo de "frente". Deste acerto redunda um golpe militar, e o partido liberal, novamente à testa do poder de Estado, persegue, prende e mata partidários seus que se opuseram à deposição das armas.
Até aqui não há muita novidade do ponto de vista histórico. Quando da tomada do poder pelos trabalhadores da comuna de Paris, a França, que estava em guerra contra a Prússia, parou as atividades bélicas contra esta, e os dois adversários uniram os seus exércitos para combater os trabalhadores insurretos. A burguesia, como todo bom cachorro, tem faro afinado para detectar ameaças ao seu poder.
Uma vez iniciados na "arte da guerrilha", setores marginalizados e excluídos da sociedade da Colômbia encontraram nesta forma de luta a expressão das suas demandas políticas e sociais e, em meio à miséria que permeia esse país, uma forma de sobrevivência. O Estado, diante da crise mundial do capitalismo, reage com mais violência, já que é impossível para ele atender às demandas e incorporar todo contingente de "miseráveis" e excluídos dentro de uma sociabilidade, sob o sistema capitalista. Atacam-se, pois, os efeitos, na impossibilidade de atacar as suas causas. Daí que não passa de ilusão do CP, quando acha que "é possível permitir mais reformas que logrem a participação de grandes massas da população, que hoje se encontra marginalizada de toda possibilidade de melhoramento econômico, social, político e cultural." Antes, pelo contrário, as perspectivas são de mais e mais exclusão dentro do atual patamar tecnológico.

DE ONDE VEM O FINANCIAMENTO DA GUERRILHA
O mais antigo e experimentado grupo de guerrilha, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC - ocupa hoje 40% do território e está presente em 10 dos 32 departamentos (Estados) colombianos e mantém um contigente de 15.000 guerrilheiros armados com armas e equipamentos bélicos modernos. O segundo grupo em importância é o ELN - Exército de Libertação Nacional - que mantém um contigente de 5.000 guerrilheiros, igualmente bem armados. Este aparato militar é mantido, segundo dados da revista Isto é de 01/07/1998 a um custo estimado entre U$ 500 milhões a U$ 1 bilhão. Esta supremacia militar obrigou, recentemente, o governo a sentar e negociar com a guerrilha, em seu próprio terreno. Fato inédito, até então.

AS GUERRILHAS NA AMÉRICA LATINA
Já faz muitas décadas que os movimentos guerrilheiros da América Latina, incluindo o Brasil (A guerrilha do Araguaia, do PC do B), vêm-se arrastando, não obstante alguns golpes espetaculares que lograram empreender aqui e ali, sem que um só que fosse - com exceção da Frente Sandinista - tivesse conseguido tomar o Poder e modificar a estrutura da sociedade de seus países de origem: Colômbia, Peru, Bolívia, etc. O da Nicarágua, o único, depois de Cuba, que conseguiu chegar ao Poder pelas armas, entregou logo mais este mesmo Poder à burguesia por meio de um ato simples e monótono de eleição burguesa. A Nicarágua, que a muitos parecia uma promessa socialista, voltou à miserável rotina de exploração capitalista por conta da impotência de seus chefes guerrilheiros, que, na verdade, não dispunham de um verdadeiro programa de revolução socialista, apoiado na classe operária.
Movimentos anteriores - e a Colômbia nos dá vários exemplos disso - depois de gastarem anos a fio embrenhados na floresta, longe das fábricas e da classe operária tentando movimentar apenas índios e camponeses, largaram as armas e trocaram seus postos de comandantes revolucionários guerrilheiros por cargos no Parlamento e no Estado burguês daqueles países - enquanto que outros acomodaram-se à vida de prósperos fazendeiros, como se estivessem repetindo o estilo do velho Pancho Villa da revolução (burguesa) mexicana.
Continuam sem um programa socialista todos os movimentos de guerrilha na América Latina: assim o Tupac-Amaru, o Sendero Luminoso, as FARC, o ELN e os demais. Ao invés de contarem com um programa socialista revolucionário, esboçam e exibem apenas algumas bandeiras por demais genéricas e vagas, como a dos zapatistas, de "Justiça e Liberdade", que cabe em qualquer Declaração Universal dos Direitos do Homem, firmada pelos estados capitalistas reunidos nas Nações Unidas; ao invés de convocar a classe operária para que ela ocupe a cabeça da revolução, como já ensinara a memorável Comuna de Paris, delegam aos índios e aos camponeses um papel dirigente que só pode ser cumprido com conseqüência pela classe operária - a qual, como a história não se cansa de demonstrar, é a única que pode, liderando todas as capas exploradas da população, levar adiante uma verdadeira revolução socialista. Ao invés de firmarem como meta derrubar o estado burguês e a propriedade privada dos meios de produção, única meta capaz de fazer desaparecer a exploração capitalista, que tanto afirmam combater, lutam apenas por "eleições livres", "direitos humanos", ambíguas "reformas agrárias", que, quando feitas, voltam ao estado anterior de exploração em pouco tempo, e outras tantas bagatelas do figurino burguês que em nada mudam o enquadramento estrutural da sociedade responsável pela exploração capitalista sobre a população trabalhadora.

QUAL A PERSPECTIVA DO MOVIMENTO GUERRILHEIRO COLOMBIANO?
No meio de tanta indigência teórica, política, ideológica e moral, não surpreende que muitos desses movimentos de guerrilha isolados da classe operária das cidades e dos demais seguimentos explorados da população, praticando uma tática foquista, tenham involuído a tal ponto que, para sobreviver, tenham sido forçados a estreitar íntimas relações com os cartéis de narcotraficantes, para obter fundos para compra de armas e, até, para também desenvolver negócios lucrativos.
Com os ingressos de dinheiro advindos do narcotráfico, em todas as suas fases, a guerrilha se torna forte economicamente. Porém, isto não significa que tenha se fortalecido politicamente. Continua distante das massas operárias e de um projeto revolucionário. A guerrilha é débil politicamente, porém, em comparação com o governo, é forte economicamente. As FARC puderam impor condições que debilitam as posições do governo ante a opinião pública e ante as castas liberais-conservadoras. Mesmo assim, devido às debilidades políticas enumeradas acima, estão muito mais próximas de um acordo de deposição de armas, como já o fizeram na década de 80, do que qualquer outra coisa.

Nenhum comentário:

FAÇA SUA PESQUISA